08 novembro 2010

SOBRE O VIVER

Por Suria Neiva

“Eu sobrevivo.” Quantas vezes já ouvimos pessoas dizendo essa frase, nos assegurando de que podem terminar uma tarefa, ou passar por determinadas situações?

Sobreviver é necessariamente viver em crise, ou após crise(s). Às vezes, as crises sobrevêm e sabemos ser fortes para encará-las de frente, o que é importante. Mas me questiono quantas vezes nos colocamos como sobreviventes, apenas por que... não vivemos? Há que se querer o viver, não conduzir uma sobrevida. Viver: estar presente. Ser presente, em todas as circunstâncias. Atento, sem tensão - ser flexível; com intenção, ser firme.

Parece muita filosofia pra se falar de Design de Moda, e talvez seja em algum momento... mas não neste momento: este, agora, é sobre uma mulher chamada Sakina M’sa.

Sem aceitar que trancafiem sua experiência de vida dentro do esterótipo “era-pobre-e- venceu”, pelo contrário, a africana Sakina M’sa faz de suas preciosas lembranças de infância, natureza e família - de sua ilha natal, Comores - a batuta das suas escolhas como Designer.

Não é sobreviver, é sobre o Viver.

Ela transformou o medo da horrível e fétida “cidade de gavetas” em um lugar onde haviam segredos a serem desembalados: os mercados populares de Marselha, França; os livreiros, a arte. Começou a trabalhar aos 14 anos para sustentar sua necessidade de livros. E desejava, ansiava por uma arte que unisse todas as artes, que aglomerasse pessoas num fazer coletivo e sensível.

Viver - sentir a vida.

Ela desembrulhou os códigos que envolviam as pessoas, a roupa, a moda. Que isso era fútil e pouco (ou nada) arte, ela ouviu até gastar de seu grupo de jovens amigos, intelectuais e artistas. Mas ela tinha o olhar daquela criança que, toda manhã, desenhava seus sonhos a giz numa lousa; não duvidava de seus olhos nem de seu coração. Ela descobriu política, amores, economia, segredos, história, discursos, intenções vestidas como roupa, encobertos corpos.

A moda se desnudou toda para ela, uma garota de 17 anos.

Com 17 mesmo, organiza um desfile e suas modelos vestem panos-de-prato, retalhos, sobras. Ganhou uma bolsa de estudos. Ganhou um diploma. Não perdeu tempo ao ser preterida em estágios, logo criando o Atelier du Tissu Social (“Atelier do Tecido Social”) no seu bairro “barra pesada”. Ela chama de costura sociológica. Ela diz que a beleza emana do olhar do outro. Ela teima em quebrar barreiras que só nós vemos. Para ela é mais um processo vital, que se repete todos os dias.

Só o que nós conseguimos ver, ainda, são seus prêmios – o Grand Prix de La Crèation de La Ville de Paris, o Trophée Version Femina... Talvez já vejamos o Projeto Ofício Moda, que junto com a ONG Estrela Nova, une comunidades carentes das periferias parisienses e paulistanas. Talvez atentemos aos seus desfiles no Louvre de “roupa-pra-usar” (prèt-a-porter, em minha versão), feitos com os tecidos que ela enterra em vários locais do mundo - repetindo um rito tribal aprendido da avó-tutora. Sim, panos tingidos com a terra que ela venera, a terra que nos sustém. Sakina tem os pés no chão e olha para todas as direções, vivendo vida neste mundo de hoje.

Queremos - queiramos?, ver o que ela chama de ‘tecido social’ sendo costurado na Bahia. Não amanhã, não depois. Viver é hoje, é sempre, é algo que experimentamos - logo de cara- com o nosso corpo... Se vista de vida. E viva Sakina M’sa.


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Suria Neiva é graduanda em Design pela UFBA, às voltas com suas últimas matérias de Projeto - ousando Design de Moda. Mãe de Caian, pequeno já fascinado por Design, se divertem discutindo projetos mirabolantes (para ele, tudo normal). Escreve seu blog de poemas, Águas de caneta. @SuriaNeiva 

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